24/07/2025

Cinco tribunais federais frustram governo e não encontram precatórios expedidos de forma irregular

Por Alvaro Gribel
Fonte: O Estadão
BRASÍLIA - Depois que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-
1) relatou ter encontrado R$ 20,5 bilhões em precatórios considerados
irregulares, os demais Tribunais Regionais Federais do País (das regiões 2, 3,
4, 5 e 6) afirmaram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que não
chegaram ao mesmo resultado, frustrando integrantes da Advocacia-Geral da
União (AGU) e da equipe econômica.
Precatórios são títulos emitidos a partir de sentença judicial para quitação de
dívidas de órgãos públicos. Os credores são empresas e pessoas físicas, que
recebem os recursos do Tesouro Nacional, no caso dos precatórios federais.
Os levantamentos dos tribunais cumprem decisão do CNJ — que atendeu a
uma provocação da AGU — para que todos os TRFs fizessem uma análise
dos precatórios expedidos em suas regiões e suspendessem as ordens de
pagamento daqueles que foram emitidos antes do trânsito em julgado, quando
não cabe mais recurso.
A decisão do CNJ provocou surpresa no meio jurídico, pela abrangência da
norma, e pelo prazo de 15 dias dado pelo ministro Mauro Campbell, em um ato
monocrático, abrangendo todos os seis TRFs do País.
A AGU alegou no início de junho que havia ordens de pagamentos de
precatórios sendo expedidos por tribunais federais antes do trânsito em julgado
dos processos ou sem a certidão que comprovasse valor incontroverso entre as
partes. Campbell atendeu ao pedido da AGU apenas quatro horas depois
de ter recebido o ofício da AGU, como mostrou a Coluna do Estadão.
Após a publicação da reportagem, a AGU informou em nota que a atuação na
busca pelo cancelamento de precatórios expedidos de forma irregular é “feita
de forma estritamente técnica e busca a correta aplicação das determinações
constitucionais sobre o pagamento de precatórios”.
“Isso porque a suspensão do pagamento desses precatórios expedidos de forma
irregular recai sobre dívidas que não estão efetivamente reconhecidas pela
Justiça, uma vez que os processos ainda não transitaram em julgado”, diz o
órgão em nota.
O CNJ, o Ministério da Fazenda e a Procuradoria-Geral de Fazenda Nacional
(PGFN) não se manifestaram sobre o assunto.
Em 5 de agosto, a decisão de Campbell está prevista para ser levada ao plenário
do CNJ, formado por 15 ministros e presidido pelo ministro Luis Roberto
Barroso, que também ocupa a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo Daniel Corrêa Szelbracikowski, mestre em Direito Constitucional e
sócio da Advocacia Dias de Souza, houve uma interpretação equivocada por
parte de juízes do TRF-1 em relação à determinação do CNJ.
“Pode ter havido uma má interpretação da orientação do CNJ pelos juízes da
1ª região. Eles receberam uma orientação do presidente do TRF-1 que deixou
bem claro que deveriam verificar, sob pena de responsabilidade pessoal. Aí os
juízes daqui ficaram com medo e, na dúvida, cancelaram os precatórios”,
afirmou.
Ele avalia que os demais TRFs podem ter tido uma postura mais autônoma.
“Os outros TRFs talvez tenham tido uma posição de mais independência em
relação ao CNJ. Com isso, os juízes compreenderam que o que fizeram já estava
de acordo. Mas é estranho que nenhum caso tenha tido problema”, completou.
Para Tiago Schreiner Garcez Lopes, sócio do escritório Lollato Lopes Rangel
Ribeiro, a decisão do CNJ foi abrangente demais e praticamente provocou uma
paralisia no mercado secundário de precatórios (quando credores revendem os
direitos desses títulos a receber do governo).
“Paralisou tudo. Foi uma coisa absurda do CNJ, uma decisão tomada em uma
situação específica e que passou a ser aplicável em qualquer situação. Não sei o
quanto tem um componente político. Houve situações de juízes que
suspenderam tudo, até o que a União já tinha decidido”, afirmou.
Entenda o caso
Em junho deste ano, a AGU entrou com um pedido no CNJ para
suspender a expedição de R$ 3,5 bilhões em 35 precatórios ligados ao
setor de saúde. A AGU alegou que, durante audiências de conciliação, um juiz
da 3ª Vara Federal do Distrito Federal converteu essa audiência em julgamento,
determinando o pagamento imediato dos precatórios.
A AGU alegou que não havia espaço para acordo nesses casos, mas que o juiz
proferiu a sentença, antes do trânsito em julgado, atropelando o processo.
“A despeito da finalidade inicial conciliatória da audiência, o magistrado a
converteu em audiência de instrução e julgamento, homologou os cálculos da
credora e determinou a expedição do precatório sem ordem de bloqueio, para
conferência e migração imediatas, por meio da prolação de sentença extintiva.
Nesse contexto, os advogados da União presentes destacaram a necessidade de
que fosse aguardado o trânsito em julgado da execução para a expedição dos
precatórios, o que foi afastado pelo magistrado no mesmo ato”, afirma petição
da AGU ao CNJ.
O CNJ acatou os argumentos da AGU e determinou a suspensão e a devolução
dos precatórios considerados irregulares, para nova análise e possível
cancelamento. Depois disso, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) pediu ao CNJ que revisasse essa decisão, porque ela poderia ter
uma repercussão para outros precatórios, não questionados pela AGU.
Em 23 de junho, no entanto, Campbell não só manteve como ampliou a sua
decisão para todos os tribunais federais do País. O TRF-1 afirmou ter
encontrado R$ 20,5 bilhões irregulares, mas o mesmo não foi visto pelos demais
tribunais federais.
“As irregularidades foram reconhecidas por decisões da Corregedoria Nacional
de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determinaram a
todos os Tribunais Regionais Federais o cancelamento de todos os precatórios
expedidos irregularmente, sem que houvesse valores incontroversos e antes do
trânsito em julgado da fase de execução”, diz a AGU em nota.
Sem espaço fiscal
Apesar de o TRF-1 ter encontrado R$ 20,5 bilhões em precatórios irregulares,
a sua suspensão ou cancelamento não vão abrir espaço fiscal para o governo
federal este ano. Isso porque o STF permitiu que o governo pague até R$ 44
bilhões fora das regras fiscais. Só haveria ganho fiscal, portanto, caso os
tribunais encontrassem irregularidades acima deste valor.
Para o economista Marcos Mendes, especialista em contas públicas e
pesquisador do Insper, o caminho via CNJ era “promissor” para que o governo
conseguisse segurar parte dos gastos com precatórios.
“Esse é um caminho promissor: botar ordem na casa via CNJ. O STF deu
amplos poderes ao CNJ no microgerenciamento e regulação do processo de
expedição dos precatórios. Se o CNJ usar isso de forma adequada, com a AGU
pressionando para tal, dá para dar uma segurada. São eles que conhecem as
lacunas e circunstâncias especiais”, afirmou.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, também viu a medida da AGU
e do CNJ como “positiva” para o governo conseguir dar um freio nessas
despesas.
PEC no Congresso
O governo ainda carece de uma solução estrutural para o pagamento dos
precatórios, que deve retornar integralmente para as regras fiscais a partir de
2027, por decisão do STF.
Na semana passada, porém, o Congresso avançou na tramitação de uma
proposta de emenda constitucional (PEC) que permite ao governo retirar
os gastos com precatórios do limite de despesas do arcabouço fiscal já a
partir do ano que vem. A medida prevê ainda que esses gastos voltem a ser
computados na meta fiscal em 2027, mas a uma velocidade de 10% ao ano —
o que pode retardar em dez anos a incorporação total dessas despesas
bilionárias no resultado das contas públicas.
A PEC foi aprovada em dois turnos na Câmara e retornou ao Senado, onde foi
aprovada apenas em primeiro turno — ficando pendente uma segunda votação.